segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Trabalhando o Holocausto e a Intolerância

O DISCURSO DA INTOLERÂNCIA
       São momentos de crise aguda – quando valores têm de ser reordenados –
que possibilitam o (re)aparecimento de movimentos radicais que, diante
do recuo das instituições liberais, oferecem soluções políticas
baseadas na ação e no terror. O clima de instabilidade econômica, o
desemprego, a miséria e a fome favorecem uma verdadeira inversão de
valores, fenômeno que caracterizou o período entreguerras (1918-1939),
quando grupos nacionalistas ofereceram soluções políticas
fundamentadas no ideal de salvação.  Mitos políticos foram acionados
para justificar atos de repressão às minorias étnicas, apontadas como
perigosas à configuração de uma raça pura e à segurança nacional.
Tradicionais clichês racistas foram resgatados e, sob o viés de falsas
teorias científicas, serviram para legitimar a continuidade de alguns
poucos no poder. (...)

UMA EXPERIÊNCIA SECULAR
       O extermínio dos judeus pelos nazistas deve ser avaliado como uma
progressão lógica nas relações entre cristãos e judeus ao longo da
história ocidental. Desde que o cristianismo se tornou a religião do
Ocidente, o tratamento dado aos judeus tem se caracterizado por três
etapas que se alternam: conversão, expulsão e eliminação. O nazismo
nada mais fez do que recorrer a esta prática secular, valendo-se de
novos conhecimentos científicos e de nova tecnologia. Até mesmo a
imagem estereotipada do judeu foi inspirada em textos que remontam ao
século XVI. A grande inovação está, realmente, nos argumentos
pseudocientíficos e na invenção da Solução Final.
       Se retrocedermos no tempo verificaremos que muitos dos decretos
anti-semitas promulgados pelos nazistas têm modelos equivalentes nas
decisões dos concílios e sínodos cristãos do século IV (quando o
cristianismo se tornou, em Roma, a religião do Estado) ao século XV.
(...)
       Na Idade Média os judeus foram considerados culpados por terremotos,
pela peste negra e pelo envenenamento de poços de água; da mesma forma
que, séculos depois, Hitler os responsabilizaria pela Segunda Guerra
Mundial e pelas epidemias de tifo que atingiam a Alemanha. Em pleno
século XIV, judeus foram queimados numa ilha do Reno pelos habitantes
de Basiléia (Suíça) sob a acusação de terem envenenado a água. Até o
século XIX – momento de eclosão das teorias raciais e biológicas que
iriam caracterizar o anti-semitismo moderno – persistiu a crença de
que os judeus assassinaram Cristo. Esse pensamento deicida (aquele que
mata um Deus; morte infligida a um deus) pode ser considerado a
essência do anti-semitismo tradicional, cujas raízes são identificadas
no cristianismo.

O ANTI-SEMITISMO MODERNO ALEMÃO ANTES DE HITLER
       As primeiras propostas anti-semitas (de cunho eliminacionista)
manifestaram-se como uma forma de reação à primeira emancipação
conquistada pelos judeus alemães em 1807. Desde as primeiras décadas
do século XIX, uma série de estudos sobre o conceito de Volk (povo) se
prestou para fazer germinar o sentimento nacionalista germânico e o
ódio aos judeus. Os teóricos desse movimento (Völkisch) –
anti-semitismo nas suas idéias – valiam-se das antítese do bem e do
mal, opondo a pureza racial e de espírito do camponês germânico à
malícia e à má-fé do judeu da cidade. (...) O próprio Hitler, em Mein
Kampf (Minha Luta), enfatiza esta suposa oposição entre o Volk (povo)
e os judeus alemães, identificados como os inimigos internos da nação.
Por essa razão, dizia que eles não poderiam fazer parte do povo e,
muito menos, ser considerados cidadãos. (...)
       O fato de os judeus terem conquistado sua emancipação social e civil
entre 1869 e 1871 reacendeu sentimentos de ódio e inveja. Assim, na
fase de depressão (craque financeiro que envolveu os judeus entre
1873-1890) foram publicados mais de 500 escritos e livros anti-semitas
antecipando temas que seriam explorados pelos nazistas no século
seguinte. Dentre os principais defensores desta idéia estava Wilhelm
Marr, reconhecido escritor e introdutor do termo anti-semitismo. Ele
publicou, em 1879, um caderno anti-semita que atingiu cerca de doze
edições no qual defendia que a Alemanha havia sido dominada
inteiramente pelos judeus. Mesclando-se ao nacionalismo, esse
anti-semitismo pregava a segregação e propunha medidas sociais e
legais para impedir o controle da vida nacional pelos judeus.
(...)
       Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, o pensamento anti-semita já
estava arraigado na mentalidade da população alemã, que se mostrava
profundamente incomodada com o “problema judaico”. A única solução que
viam era eliminar os judeus e o judaísmo da Alemanha posição que
ganhou força no decorrer do conflito mundial. Os judeus eram acusados
de não participar das Forças Armadas, de não assumir a defesa da nação
alemã, interessados que estavam em garantir benefícios pessoais.
Anti-semitas convictos os relacionavam ao mercado negro e a outras
atividades ilegais que contribuíam para depauperar o povo alemão.
(...)
       Em 1920, dois terços dos estudantes presentes na assembléia
estudantil da Universidade Técnica de Hannover votaram a favor da
exclusão dos estudantes de ascendência judaica da União dos Estudantes
Alemães. Entre 1918 e 1924 ataques isolados a grupos de judeus foram
registrados nos relatórios policiais. Nesse contexto de aversão à
democracia, o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães
ganhava adeptos bradando inflamados discursos contra o perigo judaico
e pregando a restauração da Alemanha como grande potência mundial.

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